Relativamente recentes, as redes de relacionamento social vieram para ficar: Facebook, Orkut e Twitter, entre outras ferramentas do gênero, tornaram-se parte integral da sociabilidade contemporânea. Talvez constituam o primeiro e ainda tímido passo na direção de um mundo futuro no qual estaremos continuamente conectados aos outros sem, de fato, jamais estabelecer sólidas relações com eles. Cabe, pois, começar a pensar o fenômeno da sociabilidade virtual, sabendo que, por hora, toda conclusão ainda será provisória. Arrisco-me então a tecer algumas considerações de caráter impressionista sobre a nova sociabilidade agenciada pelas redes de relacionamento social. Quais efeitos as redes têm sobre nossa sensibilidade e sobre nossa sociabilidade, isto é, de que maneiras elas nos afetam? Ou ainda, quais afetos estão envolvidos no uso obsessivo de tais ferramentas? Porque elas se tornaram um imperativo vital no cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo? Como lidar com as redes de relacionamento social sem sermos totalmente afetados por sua lógica própria? De que lógica se trata aí? Eis algumas das questões que mobilizam minhas considerações.
Acredita-se que as redes de relacionamento social existam para nos manter em contato com velhos e novos ‘amigos’. Sem levar em conta o estatuto duvidoso dessas 'amizades' que se multiplicam incessantemente pelos Facebooks da vida (alguém pode ter mais de 200 amigos?), é claro que as redes nos aproximam de quem está distante. No entanto, antes mesmo do advento das redes de relacionamento social já dispunhamos de outros meios virtuais, aparentemente mais eficientes, para o contato e a proximidade com nossos amigos, tais como o Skype ou o MSN. Com o acoplamento de uma simples câmera ao computador, tais ferramentas permitem ver e interagir com a pessoa com quem falamos, de modo que se quiséssemos realmente apenas estar próximos de nossos amigos deveríamos recorrer preferencialmente àquelas ferramentas e não às redes de relacionamento social. Suspeito, entretanto, que já não estejamos muito interessados em falar ou nos relacionar com nossos amigos, nem mesmo sequer por meio de mensagens escritas: quantas vezes não observamos que um 'amigo' está on line no Facebook, mas não temos a menor vontade de conversar com ele? Sim, as redes de relacionamento social permitem estabelecer conexões entre seus usuários, sem, contudo, aproximar e relacionar as pessoas. Agrada-nos saber que as pessoas estão por ali, disponíveis, acessíveis, conectadas, desde que não tenhamos de estabelecer uma relação mais próxima com elas.
Há também quem afirme que as redes de relacionamento social permitem construir um espaço aberto de troca de opiniões e de discussões políticas, sem qualquer coerção objetiva para além do acesso a um computador ligado à internet. É verdade, e o mesmo também vale para as mensagens enviadas pelo Twitter ou pelo celular. No entanto, creio que esse uso propriamente político das redes de relacionamento social é mais do que limitado se levarmos em conta seu usuário padrão. Pode-se argumentar que o meio virtual torna possível disseminar informações e opiniões políticas instantaneamente, e é fato que a rede mundial de computadores dá suporte a um sem número de grupos de discussão política. Não me detenho aqui na avaliação da qualidade da informação e das discussões políticas alimentadas pelos comentários e opiniões de pessoas continuamente incitadas a dizer imediatamente o que pensam sobre todo tipo de assunto. Salvo excessões, tais opiniões são desprovidas de reflexividade e permanecem enclausuradas no nível primário da reiteração de preconceitos adquiridos desde longa data. Este é o preço a pagar pela democratização da irreflexividade que corrói a relevância das opiniões políticas bem formadas em nome da interatividade instantânea, acessível a qualquer um sob a proteção do anonimato e da ausência de responsabilidade. Nesse sentido, parece-me que as redes de relacionamento social tendem a empobrecer ainda mais os argumentos políticos apresentados na rede virtual. Afinal, num blog o tempo e o espaço destinados a pensar e escrever sobre algum assunto político é muito maior do que no caso das ferramentas de relacionamento social, mais rápidas e instantâneas. Como apresentar um argumento político minimamente coerente ou complexo em 140 caracteres (ou menos), limite imposto pelo Twitter? Como observou Marcia Tiburi no seu excelente ensaio sobre as implicações e desvarios da comunicação via Twitter, no número 147 da Revista Cult, a linguagem irônica da ‘piada’ reduz aquilo a que se refere à lógica publicitária do slogan, que corrompe e impossibilita o diálogo político. Suponho que, com o crescimento das redes de relacionamento social, cada vez menos pessoas estarão dispostas a perder seu tempo compondo ou lendo matérias nos blogs: mais valerá 'curtir' um vídeo postado no Facebook ou escrever um comentário jocoso seja lá sobre o que for no Twitter. Revista Cult » Sobre Twitter e Severinos
Mas então, por que as ferramentas de relacionamento social se tornaram imprescindíveis para milhões de pessoas no mundo todo? Arrisco uma hipótese. Talvez as redes de relacionamento social não se destinem, em primeiro lugar, a aproximar as pessoas, promover relações afetivas, discutir problemas políticos ou estabelecer parcerias profissionais, como frequentemente se afirma. Talvez sua importância se deva ao fato de que as redes nos proporcionam duas coisas essenciais no mundo contemporâneo: elas nos permitem estabelecer conexões que se multiplicam indefinidamente e sem maior compromisso entre as pessoas envolvidas; ao mesmo tempo, elas também nos garantem uma oportunidade para nos manifestarmos e nos tornarmos simbolicamente valiosos e visíveis. Vejamos como se articulam essas duas dimensões fundamentais das redes de relacionamento social.
As redes permitem que manifestemos e certifiquemos nossa existência pelo simples fato de estarmos ali, presentes na pracinha virtual junto a todos os que ali também já se encontram. Os usuários das redes fazem parte de um mesmo espaço virtual compartilhado e isso talvez desperte vagos sentimentos de comunidade e de conforto emocional. Sei que vou encontrar meus ‘amigos’ se permanecer continuamente conectado à rede, aspecto não desprezível num mundo em que o isolamento e a solidão tornaram-se epidêmicos, como o comprova a disseminação global de depressões, síndromes do pânico, instabilidades e rupturas de relações afetivas, etc. Intuitivamente, sei também que as conexões virtuais são mais frouxas que quaisquer relações sociais, de modo que a multiplicação das ‘amizades’ pelas redes parece ser boa resposta para o dilema de pessoas que anseiam por relações sociais, mas já não conseguem mais suportar os seus encargos, como ressaltou Zygmunt Bauman em seu livro Amor líquido.
Estar presente nas redes de relacionamento social é também uma maneira de permanecer ‘ligado’, ‘conectado’, up to date, ou seja, em conformidade com as demandas e solicitações do presente imediato. Confirmamos, assim, nossa adesão ao gigantesco fluxo da produção, captação e reprodução de informações, gerado espontaneamente pelo compromisso voluntário de milhões de usuários que se consideram livres, donos e criadores de sua própria existência, no exato momento em que ‘caem’ na rede e são por ela afetados de maneiras muito semelhantes. Trata-se aí de uma captura, sim, pois a rede que promove o relacionamento entre as pessoas também o padroniza e limita, aspecto que se comprova pela gritante reiteração de posts que apenas se repetem e quase nunca trazem qualquer surpresa ou novidade.
Além disso, as redes de relacionamento social também suprem uma necessidade contemporânea, central nas sociedades espetacularizadas em que vivemos, a necessidade de manifestarmos aos outros ‘quem’ somos. Mais propriamente falando, tais ferramentas constituem meios adequados para mostrar aos outros o que queremos que eles vejam. Desse ponto de vista, as redes de relacionamento social funcionam como imensa vitrine na qual cada um se apresenta como mercadoria portadora de logo publicitária e valor simbólico agregado. Já notaram como as pessoas parecem ser muito mais ‘interessantes’ nas redes de relacionamento do que ao vivo? Nas redes, apresentamo-nos como mercadorias valiosas no vasto mercado das trocas simbólicas diversificadas de nosso tempo. A cada post ou comentário, agimos no sentido de valorizar e incrementar nosso ‘capital humano’, isto é, buscamos valorizar a persona virtual que deve nos promover e abrir novas conexões com os outros, dentro e fora da rede.
Por isso, nas redes de relacionamento social estamos continuamente ocupados com a construção de nossa persona virtual. Este processo começa com a declaração de informações determinadas, como preferências musicais, culturais, citações prediletas, filmes do coração, empregador, religião, etc., e se prolonga indefinidamente na postagem cotidiana de fotografias de lugares visitados e de pessoas queridas; vídeos de músicas extraídos do Youtube; informações sobre assuntos diversos retirados da internet; comentários a respeito do material que outros postaram e que nós 'curtimos'. Em meio à contínua construção de nossa personalidade virtual, os limites entre público e privado vão se fazendo quase totalmente indiscerníveis, tornando questionável até mesmo pensar segundo os termos daquela velha distinção.
Por certo, constantemente modulamos, criamos e recriamos as muitas facetas de nossa personalidade nas diversas relações sociais que travamos todo dia com os outros. Mas a questão importante aqui é que as redes de relacionamento social parecem afetar nossa capacidade e nossa maneira de estabelecer relações. Em primeiro lugar, penso que os afetos suscitados e intercambiados na rede a cada postagem são mais importantes que o conteúdo mesmo das mensagens trocadas entre os usuários. Nossa permanência nas redes não se deve tanto a um suposto desejo contemporâneo de interagir com os demais. Antes, limitamo-nos a agir e reagir ao adicionar material à rede e ao comentar o material adicionado por outros. Se prestarmos atenção, veremos que nossos comportamentos nas redes de relacionamento social obedecem a algumas regras e padrões, facilitados e induzidos pelos próprios recursos oferecidos pelas plataformas das redes virtuais de relacionamento. Nelas, o outro não costuma ser mais que o destinatário de captação e reprodução dos fragmentos virtuais de mim mesmo disseminados pela rede. Nessas ferramentas, o outro é aquele a quem ‘cutucamos’ ou ‘curtimos’, mas, sobretudo, é aquele de quem esperamos que se torne nosso seguidor e admirador.
Querendo ou não, quem ‘cai’ na rede muito rapidamente sente o afeto obsessivo de averiguar a repercussão de seus posts e comentários. Discretamente, se instala e se reproduz o desejo de que nossa persona virtual alcance o máximo rendimento simbólico no mercado fugaz das identidades publicitárias. Queremos nos tornar celebridades, ainda que capazes apenas de brilhar no tempo exíguo de exibição de uma página do Facebook (post antigo é página virada). No instante em que isto ocorre, então sentimos que nos tornamos visíveis, que somos alguém e que temos um rosto. Estabelecido o jogo do reconhecimento virtual, o afeto que enviamos e espalhamos pela rede é sempre o mesmo: vejam como tenho vários ‘amigos’ (quer dizer, seguidores), como sou versátil, divertido, inteligente, sagaz; vejam como tenho bom gosto musical, como conheço vários lugares diferentes e exóticos, vejam como sei o que está acontecendo agora. Numa roda de amigos, quem não participa das redes de relacionamento social virtual é deficitário em vários sentidos. Crusoés pós-modernos, usamos nossos computadores para fazer sinais de fumaça para outros indivíduos, também eles ilhados em seus computadores. Como o reconheceu Bauman, apenas seres isolados e desligados dos outros precisam urgentemente ‘conectar-se’ com eles.
É assim, me parece, que se tornam compreensíveis os motivos e os afetos que presidem à nossa participação intensiva nas redes de relacionamento social. Não nego, evidentemente, o caráter lúdico e prazeroso da participação nas redes. Ainda assim, creio ser fundamental pensar as afetações que elas trazem consigo, pois é justamente por meio de seu caráter lúdico e prazeroso que elas capturam seus participantes, pautando e predeterminando as possibilidades de seus relacionamentos e de seus modos de ser. Tomando emprestado o vocabulário proposto por Foucault e Deleuze, podemos pensar os usuários das redes de relacionamento social como peças voluntariamente mobilizadas no interior de um dispositivo biopolítico ilimitado, capaz de controlar e regular a vida das pessoas em suas dimensões mais sensíveis. Compreende-se agora porque a pergunta que encabeça o mural do Facebook é: “em que você está pensando agora?” Tal dispositivo agencia e controla os comportamentos, sentimentos e pensamentos contemporâneos, afetando-os de maneira discreta, porém eficiente e padronizada, ao destiná-los ao ciclo perpétuo da autopromoção e da autovalorização obsessiva. Ao mesmo tempo, a rede também dispõe acerca do modo e da intensidade com que queremos estabelecer relações com os outros. Não será por isso que as páginas pessoais dos usuários das redes de relacionamento social se parecem tanto umas com as outras?
O fantástico egocentrismo virtual promovido pelas redes de relacionamento social torna evidente dois aspectos centrais de nossa sociabilidade contemporânea: por um lado, nossa participação obsessiva nas redes é sintoma de nosso crescente desejo de conexão e de nossa crescente aversão ou, ao menos, dificuldade de manter relações com os outros. Queremos ter um milhão de ‘amigos’ desde que tais ‘amizades’ não nos confrontem, perturbem, toquem, questionem ou responsabilizem. Ou, como disse Bauman, queremos a todo instante apertar os laços de nossa sociabilidade, ao mesmo tempo em que os queremos frouxos…para que assim possamos continuar estabelecendo mais e mais conexões impermanentes. Ademais, ao cairmos presas das redes de relacionamento social, rapidamente nos convertemos em mercadorias sujeitas à exigência da contínua valorização, sob pena de nos tornarmos moeda podre no rápido e competitivo mercado das relações sociais contemporâneas, transitórias e instáveis.
Se é óbvio que nossa presença nas redes de relacionamento social não abole nossas relações propriamente ditas com os outros, também é certo que o tempo que dispendemos nas redes, plugados a nossos computadores e celulares, é ganho contra o tempo em que poderíamos estar com nossos amigos. Lembro-me aqui de um filme premonitório de 1995, Denise está chamando, de Hal Salwen, no qual um grupo de amigos passa o tempo todo dependurado no telefone - ainda não habitávamos plenamente a www -, sem jamais conseguir se encontrar. Tudo isso sem falar do tempo que gastamos espiando, vidrados, a sequência infinita dos posts. Tempo que poderíamos empregar para ver um filme, para conversar com um amigo, para ler um livro, para pensar algo e escrever num blog, ou, simplesmente, para estar junto aos amigos e à pessoa que amamos. Ou será que já nada disso nos interessa tanto assim?Por fim, restam algumas atitudes de resistência em relação à afetação que as redes produzem em nossa sensibilidade e em nossa sociabilidade: sempre poderemos nos desligar delas; ou então, desconfiarmos dos afetos autopromocionais e das afetações que elas continuamente provocam em nossas formas de estabelecer relações sociais. A invenção de novas formas de emprego das redes de relacionamento social, tendo em vista promover novas formas de efetiva relação entre as pessoas, tem de ser conquistada cotidianamente e a contrapelo dos mecanismos silenciosos que padronizam e afetam nossa criatividade, sensibilidade e sociabilidade. Tudo isso, contudo, depende de nossa capacidade de reflexão sobre o impacto que as redes de relacionamento social têm sobre nossas relações com os outros e conosco mesmos. O presente ensaio não pretendeu ser mais que uma pequena contribuição nessa direção.