Os “50 mangos” ou o grande negócio da educação
Publicado em 26/08/2010 | MARIA RITA DE ASSIS CÉSARPodemos dizer que os alunos vão mal em matemática porque os professores deles não sabem mais matemática, pois não aprenderam muita coisa nos seus cursos de bacharelado e de licenciatura
A notícia sobre o pagamento dos R$ 50 para que alunos assistam às aulas de reforço de matemática na Rede Estadual de Ensino de São Paulo produziu diferentes reações por parte de educadores. Nos jornais algumas reações de especialistas foram ouvidas: da indignada reprovação à medida até a sua aprovação, dizendo-se que seria um bom incentivo para o comparecimento ao reforço escolar. As notícias me fazem lembrar uma decadente Aracy de Almeida em programa de calouros; depois de ouvir uma interpretação horrorosa de algum sucesso do momento, ela dizia: “vai 50 mangos pro rapaz”.
O fato é que a Secretaria da Educação do estado de São Paulo prometeu que iniciaria a medida com 1.200 alunos do 6.º e 7.º anos, os quais, ao comparecerem às aulas de reforço, ganhariam até 50 reais de recompensa. Como afirmou o atual governador de São Paulo, Alberto Goldman (PSDB), o “vale-presente” iria diretamente para o estudante e não para a sua família. Certamente, uma alusão crítica ou “melhorada” ao projeto federal do Bolsa Família, que tem também o objetivo de convencer as famílias pobres da importância da escolarização de crianças e jovens. Embora as reações não tenham suplantado o exíguo espectro da aprovação/reprovação, dada a polêmica causada, a medida foi suspensa no momento.
Projeto de algum gênio ou derrocada absoluta da educação? Nem uma coisa nem outra, ou as duas coisas e ainda outras... O projeto foi pensado e planejado pela Secretaria de Educação de São Paulo, sob o comando do secretário Paulo Renato Souza, em razão dos resultados pífios dos alunos de São Paulo diante das avaliações institucionais (Prova Brasil, Provinha Brasil e outras pirotecnias contemporâneas). Com elas foi desvelado o grande segredo (que todos já sabiam) – “Joãozinho não sabe a raiz quadrada de 9”. Será que resta a nós, experts da área, apenas dizermos se somos contra ou a favor dos “50 mangos” pra meninada? Creio que não. Temos de olhar para isso como sintoma. Não como sintoma de alguma coisa que vai mal, mas como sintoma de alguma coisa que vai muito bem obrigado. A educação no Brasil é um sucesso como fábrica do fracasso, pois é o fracasso que faz o “negócio” da educação girar, inclusive, com os “50 mangos” para os alunos.
Pensemos o tema por outros caminhos. Ao contrário de formarmos bem nossos professores nas universidades, agora já não temos nem mesmo vergonha de dizer que não os formamos mais, que os cursos de graduação com suas licenciaturas são apenas um primeiro momento, antes do início da roda-vida de especializações, aperfeiçoamentos, formação continuada, cursos disso e daquilo, que movem um rentável mercado educacional não somente nas universidades privadas, mas também nas públicas. Bem, podemos dizer que os alunos vão mal em matemática porque os professores deles não sabem mais matemática, pois não aprenderam muita coisa nos seus cursos de bacharelado e de licenciatura, embora saibam tudo sobre trans, intra, supradisciplinaridade, inteligências múltiplas, motivação, afeto, olfato e qualquer outra bobagem de ocasião. Culpa dos professores que se desviaram de sua função? Não, culpa da máquina que faz um negócio vazio de conteúdo e cheio de verbas e recompensas girar de forma bem azeitada.
O negócio educacional vai dos R$ 50 para estudantes do ensino fundamental até bolsas mensais de um pouco mais de R$ 1 mil para professores das universidades públicas que, empobrecidos com seus salários, veem a possibilidade de quitar a dívida do cheque especial. E assim as escolas não ensinam seus alunos e as universidades não formam futuros professores para que a educação continue a ser uma fábrica de fracassos de sucesso absoluto. Os alunos não sabem matemática por que seus professores não os motivam a aprender? Os métodos empregados são ultrapassados? Qual seria a fórmula para que esses jovens aprendam matemática? Novos métodos? Novas pedagogias? A última “descoberta” sobre o funcionamento da inteligência, publicada em alguma revista de caráter duvidoso? Nada disso. Faltam políticas efetivas que atuem na formação dos professores nas universidades. Para aquele professores que se encontram no exercício da profissão, faz falta que sejam bem pagos, que tenham acesso à cultura, à bibliotecas, e que retornem às universidades, frequentando os cursos já existentes, os grupos de pesquisa, além das atividades do cotidiano da universidade, para que ali tenham contato com a produção do conhecimento na sua área de ensino, sem que ninguém seja desviado das suas tarefas e funções. É muito simples, mas não gera lucro e não têm dividendos, sem falar que emperra a máquina que faz o negócio da educação girar com sucesso, fazendo os “50 mangos” irem para o lugar certo.
Maria Rita de Assis César, doutora em Educação, é professora do Departamento de Teoria e Prática de Ensino do Setor de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR. Coordenadora do Laboratório de Investigação sobre Corpo, Gênero, Subjetividade e Educação e Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero.
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