quinta-feira, 15 de abril de 2010

El viaje a Cuba 3: impressões políticas




Em Cuba a política pretenderia estar em toda parte, coesa em torno aos ideais supremos do trabalho, estudo e fusil...mas é claro que isso não é assim, felizmente. A vida segue seu curso cotidiano e o visitante mais atento rapidamente percebe que há um abismo entre a política oficial, propagada muitas de vezes de maneira artesanal em cartazes e pinturas de parede, e as vicissitudes diárias de um povo que enfrenta inúmeras dificuldades econômicas sem abaixar a cabeça e com um senso de humor cáustico que tem lá a sua graça. Mas não é fácil apresentar mais do que impressões vagas a respeito da atual situação política em Cuba. Que se trata de uma ditadura, apenas los muy convictos o negariam. Por outro lado, quem reproduz o discurso fácil que condena Cuba a não ser mais que uma reminiscência do antigo bloco soviético, em pleno Caribe, perde de vista especificidades que, sim, fazem a diferença. Esta é uma ressalva importante, tanto mais agora que se aproximam as eleições presidenciais no Brasil e se multiplica o coro dos intelectuais ávidos por "apresentar sua solução inteligente no bloqueio a Cuba", para recordar a fina ironia de Caetano Veloso e Gilberto Gil na canção 'Haiti'.
Por certo, a Cuba de hoje em nada se assemelha a uma sociedade militarizada ou policiada de maneira ostensiva, e a propaganda política vem diminuindo a olhos vistos. Evidentemente, o acesso à informação extra-oficial é difícil, e será tanto mais difícil quanto mais tais informações se mostrarem críticas ao regime. Para saber algo mais a respeito da vida cotidiana e política em Cuba é preciso conversar com os cubanos, e isto tampouco é fácil para o turista, a não ser que ele consiga estabelecer alguma cumplicidade cuidadosamente tramada. Se isto ocorre, então pode-se aprender algo mais, o que também significa que há redes clandestinas de difusão de informação no país. A propósito, a visita a Cuba instiga desconfianças em relação à nossa suposta liberdade de informação: sabemos tudo, ao mesmo tempo em que não sabemos nada, pois as informações nos chegam pautadas e diluídas. Para não falar de nossas liberdades políticas: podemos tudo, ao mesmo tempo em que não podemos nada, dada a ausência de projetos políticos coletivos. Em suma, Cuba faz pensar, e muito, nos limites políticos a que estamos sujeitos no assim chamado 'mundo livre'.
Cuba é, de fato, uma ilha isolada do mundo, mas tal isolamento se fecha em torno a dois pólos ideológicos contrapostos que se complementam e se unificam: a burocracia partidária de Cuba e a extrema direita dos Estados Unidos. Por um lado, a burocracia cubana sobrevive e se alimenta politicamente das dificuldades econômicas impostas pelo terrível bloqueio econômico, pois ele propicia condições adequadas para a suposta 'unidade' do povo contra o poderosíssimo inimigo. Por outro lado, a extrema direita republicana sabe que jamais dobrará Cuba a seus interesses predatórios, mas interessa manter o bloqueio draconiano intocado, pois ele sustenta sua hegemonia política em certos estados norte-americanos. Em suma, o fim do bloqueio não interessa a nenhuma das partes.
Escorada na relativa melhoria econômica propiciada pela exploração do turismo, resta saber por quanto tempo será possível à burocracia manter inalterada a situação política. Afinal, a mesma abertura econômica que traz o turista e que melhora a infraestrutura também traz consigo a expansão (ainda limitada) da internet, da televisão a cabo nos lobbies abertos e públicos dos hotéis, além de propiciar maior contato da população com os hábitos e gostos dos estrangeiros. Hoje é evidente que a relação dos cubanos com a memória e o legado da revolução está diretamente associada à idade dos indivíduos. Aqueles que cresceram em meio à abertura econômica, por exemplo, já seguem as estrelas do futebol europeu, vestem-se com a roupa do 'inimigo' e possivelmente sonham com um mundo mais ágil e de consumo diferenciado. Por outro lado, aqueles que viveram o auge do legado da revolução e suportaram as agruras da fome durante o período especial (1990-1995) temem, muito justamente, que uma reviravolta súbita ponha a perder o sistema educacional e de saúde do país, certamente melhores do que os de muitíssimos países e regiões do Caribe e da América Latina. A sorte está lançada.

2 comentários:

  1. André,

    Estes posts sobre Cuba trituram o nosso imaginário habitual sobre o país e a vontade de conhecer só aumenta. Sobre a questão política, dias atrás, Clóvis Rossi publicou um texto sobre artistas cubanos que estão afirmando que está na hora de mudar o país e a revolução - entre eles, os músicos Silvio Rodríguez e Pablo Milanés. Não sei o quanto isto é representativo - você nos ensinou a desconfiar das visões prontas de Cuba -, mas será que é possível dizer que há uma mudança em curso, promovida por forças internas? Ou este é só mais um recorte monocromático, que não dá conta da complexidade cubana? Veja o texto do Clóvis Rossi aqui:
    http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/clovisrossi/ult10116u713607.shtml

    Grande abraço,
    André Tezza

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  2. Olá,
    os sinais de uma mudança em Cuba não são evidentes para o visitante, mas eles estão ali, sim, para quem saiba e queira vê-los. Tenho tentado apontar algo a respeito e creio que o processo de abertura econômica está relacionado com os desejos de mudanças que estão na cabeça de muitas pessoas em Cuba, sobretudo entre os jovens e os nem tão jovens assim. Agora surge a notícia de que até mesmo Pablo Milanés também quer mudanças. Elas são certamente fundamentais, inclusive para que o legado positivo da revolução não se perca totalmente da noite para o dia. Seja como for, há algo muito claro para todos: os líderes da revolução estão muito próximos do fim e aqueles que os vierem a substituir não terão a mesma autoridade moral e política que eles ainda detêm. Enfim, o limite de todo poder carismático reside na morte dos próprios líderes. As mudanças políticas e econômicas podem não se impor imediatamente, mas elas não tardarão. A história dirá se elas foram para melhor ou para pior, e para quem elas terão sido mudanças positivas ou negativas.

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